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Descobri meu desejo de trabalhar com grupos há muitos anos. Ele brotou na relação com uma professora especial, daquelas que não se limitam a contemplar o conteúdo programático; daquelas que fazem das salas de aula palcos para encontros afetivos, daquelas que nos atravessam, transformando-nos.
Conheci a professora Sandra Azeredo na Faculdade de Psicologia da Universidade Federal de Minas Gerais, no período em que estava realizando uma mobilidade acadêmica (a Faculdade de origem, em que cursava Psicologia, era da Universidade Federal do Ceará). No contato com Sandra, tornei-me sensível às violências de gênero e raça; fui apresentada ao trabalho de Félix Guattari, Simone de Beauvoir e Judith Butler; ganhei de presente um raro exemplar do livro que ainda é meu preferido - O olho mais azul (pelo qual a escritora Toni Morrison foi premiada com o Nobel de Literatura) - e tive a oportunidade de experimentar a potência intrínseca aos grupos por meio de suas aulas. Sandra se fez inesquecível para mim.
Em 2021, três anos depois de iniciar minha carreira clínica em Psicologia, finalmente me lancei em duas tentativas de trabalhar com grupos, que aconteceram, aparentemente por coincidência, quase ao mesmo tempo. Criei junto a uma amiga e colega de trabalho um projeto bonito, que gostaríamos de ter concretizado por meio de um grupo psicoterapêutico para mulheres, voltado à reflexão sobre papéis sociais: “Que fique entre nós”. Junto à outra mulher, minha professora de Yoga naquela época, preparei uma imersão para mulheres, voltada ao autoconhecimento e à espiritualidade, na serra de Santa Catarina. Para mim, as duas iniciativas pareciam (e parecem ainda) maravilhosas. Qual não foi minha surpresa, então, quando não houve o número suficiente de inscrições para concretizar nenhuma delas…
Minha frustração foi enorme. Senti tristeza e também vergonha diante de todas as pessoas que estavam acompanhando a divulgação dos projetos. Mas, depois, percebi que o mais provável era mesmo o que nos aconteceu, já que nos faltava conhecimento e experiência em muitos aspectos, como análise de mercado, marketing, lançamentos, vendas e o próprio trabalho com grupos. Além disso, a pandemia ainda nos assombrava. Nesse sentido, acolhi minha ingenuidade e minha ignorância para fazer o luto por dois projetos que não pude concretizar.
Ao mesmo tempo, contudo, reconheci e celebrei os passos inéditos e corajosos que havia dado até aquele momento. Afinal, é preciso coragem para colocar no mundo um projeto novo, não é? A coragem para enfrentar a insegurança, as críticas, a ansiedade, os julgamentos e as próprias crenças limitantes; a coragem para se lançar no mundo com toda sua vulnerabilidade. Aliás, a vulnerabilidade, por si só, merecia ser celebrada, já que é ela “o berço da inovação, criatividade e mudança”, segundo Brené Brown. Além disso, mesmo diante de poucas inscrições, estava orgulhosa dos projetos que havia criado e de como eu os havia divulgado. Esse é um hábito que recomendo, inclusive: sem perder de vista quem desejo me tornar ou o que desejo vivenciar, celebro sempre quem sou e o que estou vivenciando. Vale lembrarmos aqui as palavras de Liliane Prata:
Um homem não é infeliz porque tem ambições, mas porque elas o devoram. (Montesquieu). (…) Se estou muito focado na pessoa que eu gostaria de ser, não estou concentrado em quem sou.
Poderia ter parado por aí para evitar a dor de novas frustrações, como a personagem de Clarice Lispector que
a vida inteira tomara cuidado em não ser grande dentro de si para não ter dor.
Não; no ano seguinte, 2022, desenhei e apresentei ao mundo um novo projeto: “Um passo à frente: mentoria personalizada em práticas e carreiras de Psicologia Clínica”. O frio na barriga era enorme, mas era maior o meu desejo de diversificar minha renda. E, para minha surpresa, no primeiro dia de divulgação, já recebi mensagem de uma colega, interessada na mentoria. De lá para cá tive a oportunidade de acompanhar sete colegas em experiências personalizadas de mentoria, compartilhando com elas conhecimentos e experiências, assim como esperança, inspiração e coragem.
Aquele frio na barriga só não foi maior do que o que senti neste ano, no mês passado, abril de 2023, quando propus a I edição da mentoria coletiva para psicólogas, “Passos à frente”, sobre gestão financeira. Mais uma iniciativa para trabalhar com grupos, hein? E dessa vez não do lugar de psicoterapeuta, mas do lugar de mentora. E dessa vez sem suporte de uma parceira, mas com autossuporte. Para minha surpresa, de novo, 22 mulheres me agraciaram com sua confiança, inscrevendo-se na mentoria!
No último dia 25 de março, portanto, reuniram-se mulheres de 11 Estados do Brasil: Paraíba, Piauí, Minas Gerais, Ceará, Maranhão, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Paraná, Santa Catarina e Bahia. Reuniram-se, porque têm em comum o propósito de gerir bem suas finanças, exercendo sua autonomia para construir com as próprias mãos sua segurança enquanto profissionais autônomas e sua independência enquanto mulheres.
Ao final do encontro, éramos 24 mulheres, já que a Keylla Santos generosamente aceitou meu convite para se juntar a nós e compartilhar seu conhecimento em planejamento financeiro e investimentos.
Aos meus olhos, foi um momento bonito e revolucionador. Não sei ainda expressar o quanto me sinto realizada por proporcionar a mim mesma e a outras mulheres tempo e espaço para trocas de conhecimentos e experiências - repletas de afetos, é claro, porque acredito, como Valter Hugo Mãe, que
o afeto é o único desengano, a grande forma de encontro e de pertença.
Tornei-me mentora para diversificar minha renda. O que não sabia é que, diversificando minha atuação, me realizaria ainda mais por meio do meu trabalho - não só como psicóloga; também como mulher, o que me remete às palavras de Khalil Gibran:
“E eu lhes digo que a vida é de fato escuridão, exceto quando há vontade;
E toda vontade é cega, exceto quando há saber;
E todo saber é vão, exceto quando há trabalho;
E todo trabalho é vazio, exceto quando há amor;
E quando trabalham com amor se aproximam de si mesmos, e uns dos outros, e de Deus.”
Durante a mentoria, enquanto comentávamos alguns mitos sobre o dinheiro e compartilhávamos histórias, refleti eu mesma sobre minha relação com o dinheiro. Como contei àquelas mulheres, quando me formei em Psicologia, não tinha a pretensão de gerar uma renda suficiente para sustentar o estilo de vida que me agrada; infelizmente, cercada por privilégios e machismo, esperava apenas gerar uma renda que servisse aos meus caprichos e complementasse a renda de um marido. “Psicologia não dá dinheiro!”, dizem por aí - ainda mais para uma mulher, certo? Eu não podia imaginar que, pouco tempo depois, eu estaria me sentindo segura em meio à transição profissional de um companheiro em razão da minha própria renda e gestão financeira. É que não fui criada para o sucesso profissional ou para uma remuneração alta. Não era isso que se esperava de mim; isso era o que se esperava de meu irmão. Então, menos de dois anos após o início de minha carreira clínica, quando comecei a gerar uma renda cinco vezes maior do que aquela que esperava gerar como psicoterapeuta, percebi-me constrangida e, por algum tempo, tive dificuldade de compartilhar aquela boa nova com meus pais e meu irmão. Tinha a sensação de estar ocupando o lugar que havia sido reservado a outra pessoa e sentia medo de que meu sucesso profissional, que me parecia inadequado ou pelo menos precoce, pudesse ofender algum deles.
A relação de cada uma de nós com o dinheiro pode ser atravessada por conhecimento ou por ignorância, mas é atravessada sobretudo por neurose. Por isso, nossa independência e autonomia financeiras demandam, tantas vezes, psicoterapia. Atualmente, por mais que eu seja independente e autônoma financeiramente, vira e mexe me vejo às voltas com a neurose, quando, por exemplo, estranho a mim mesma no lugar de mentora que se propõe a ensinar sobre gestão financeira ou quando estranho o convite para a gravação de um podcast sobre segurança financeira para autônomas.
Mas aprendi a caminhar junto ao estranhamento, assim como à insegurança, à vergonha, ao medo e à dúvida. Por isso, estou mais uma vez apostando em minha vulnerabilidade: está a caminho uma edição nova da mentoria coletiva “Passos à frente”: contabilidade para Psicólogas! Dessa vez, estará comigo o contador que me acompanha desde 2020, o Felipe Bragion. O encontro será no último sábado do mês, dia 29 de abril, e eu não poderia estar com mais frio na barriga! Rs Por isso, continuo a me nutrir das sábias palavras de Brené Brown:
A vulnerabilidade é a nossa medida mais precisa de coragem.
Espero que este Convite te inspire coragem para tomar nas mãos sua carreira e cuidar dela artesanalmente, como quem costura pacientemente uma colcha de retalhos.
Com respeito e afetos,
Larissa.
Parabéns pelo texto e pela sua trajetória.
Beijos cheios de carinho e admiração.
Oi Larissa! Gostei deste formato, obrigada. Ótimo domingo ❤️