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Carta aberta ao meu companheiro:
Meu amor,
Você lembra quando e como tomamos a decisão de vir para Florianópolis, não é? É claro que sim, afinal essa é uma das histórias que mais gostamos de contar juntos. Pois hoje sou eu quem vai contar a história a você. Preparado para reviver nossa travessia?
Foi em setembro de 2020, durante a pandemia da COVID-19. Estávamos na “cidadezinha”, como gostamos de chamar nossa São Gonçalo do Sapucaí, no interior do Sul de Minas Gerais. Você, empregado em uma multinacional em São Paulo, fazia home office pela primeira vez, na casa de seus pais. Enquanto isso, na rua à frente, eu me permitia experimentar a psicoterapia remota, no sótão da casa de minha mãe e minha avó, depois de ter deixado às pressas um apartamento e um consultório em Belo Horizonte. Período sinistro aquele, hein? À medida em que fatídicos quinze dias se tornavam meses, buscamos cuidar de nós e do nosso relacionamento naquela pequena cidade com trabalho, filmes, vinhos, jogos de baralho e atividade física na sala. Também nos arriscamos em alguns passeios de bicicleta, é verdade. Depois, alguns conflitos familiares motivaram um novo movimento…
“Estamos os dois em home office e há muito tempo temos vontade de dar fim à ponte aérea para morar juntos. Por que não fazemos isso agora?” Foi mais ou menos assim que eu lancei a ideia, após uma sessão de terapia, não foi?
Naquele mesmo dia à noite, eu digitava no Google: “as melhores cidades com praia no Brasil pra se trabalhar em home office”. Das opções que apareceram, Florianópolis você ainda não conhecia. Isso bastou para que fizéssemos nossa escolha. Um mês depois, no final de outubro de 2020, estávamos chegando na Ilha da Magia para uma temporada curta, de dois meses, o tempo que nos restava até que você fosse convocado a voltar a exercer seu cargo presencialmente, como pensávamos. Àquela altura eu já estava pronta para ir junto: minha boa experiência com a psicoterapia remota me deu a coragem da qual eu precisava para entregar o apartamento e as duas salas de atendimento que alugava em Minas (uma na capital e outra no interior) e me mudar com você para São Paulo. Para minha surpresa, você não esperou pelo chamado da empresa: no mês seguinte, em novembro, pediu demissão e chorou lágrimas de coragem e liberdade em frente ao mar após quatro anos de uma adoecedora insatisfação profissional.
Sei que para você sua transição de carreira já havia começado antes, tendo em vista os projetos em que você investia paralelamente ao emprego e a reserva de segurança que tinha construído. Para mim, contudo, sua transição de carreira começou naquele momento: namorávamos há dois anos, morávamos juntos pela primeira vez há menos de um mês, estávamos em uma cidade em que não conhecíamos ninguém, a pandemia não parecia estar de saída e você tinha acabado de pedir demissão.
Para permanecer em Florianópolis, tivemos de enfrentar as mudanças no setor imobiliário da cidade relacionadas à pandemia e à alta estação, trocando de Airbnb: a contragosto, nos mudamos do Sul para o Norte da Ilha. Apesar disso, o final de 2020 foi de orgulho, esperança, determinação e alegria: você começava a se experimentar em um trabalho remoto e estava animado diante da possibilidade de trabalhar como autônomo. Mas não demorou a chegar a primeira frustração. No início de 2021, a frustração abriu caminho para a ansiedade, e ela te atingiu, avassaladora. Quase ao mesmo tempo, como já esperávamos, o Demônio do Meio-Dia chegou para nos fazer nova visita. Devastadora é a melhor palavra para descrevê-la. Meu corpo estremece em contato com as lembranças…
Como se isso não bastasse, ainda tínhamos que encontrar um apartamento para aluguel anual antes de o verão voltar, caso contrário teríamos de nos despedir de Florianópolis em razão dos preços exorbitantes de aluguel para temporadas em alta estação. Eu não sabia se visitava imóveis, ia ao supermercado, trabalhava ou cuidava de nós três - sim, naquela época nosso Bituca já morava com a gente. Equilibrei todos os pratinhos como foi possível até encontrarmos o apartamento onde estamos hoje e finalmente voltarmos ao nosso querido Sul da Ilha, em agosto de 2021.
Depois, naquele mesmo semestre, mais uma experiência como autônomo frustrou suas expectativas. Mais uma vez, seu corpo foi colocado à prova pela ansiedade, assim como nosso relacionamento. Lá se foram mais alguns meses extremamente desafiadores para nós dois. Me sentia tão demandada pelo nosso relacionamento, pela casa e pelo meu trabalho… Além disso, começamos a sentir o tempo escorrendo pelas mãos: sua reserva estava diminuindo, e eu não tinha nem desejo nem condições de arcar sozinha com as contas, principalmente em um lugar onde o custo de vida é tão alto. Com o desespero batendo à porta, você sugeriu uma mudança nossa para o interior de Minas, onde poderíamos voltar a morar com nossos pais até você se estabilizar profissionalmente. Minha resposta te desapontou: eu disse que apoiaria sua ida, mas que não iria com você. Difícil esse capítulo da história, não foi? Você questionou o que sentia por você; eu disse que você ainda me agradeceria… Até novembro de 2021, sustentamos conversas muito difíceis, até porque chegamos a planejar juntos nossa separação apesar do amor que um sentia pelo outro.
Alguns meses e uma experiência de mentoria de carreira depois, você decidiu fazer uma nova aposta, uma aposta na programação. Em fevereiro de 2022, você começou a descobrir seu potencial como desenvolvedor, estudando de forma autodidata. Testemunhando seu estudo, me vi esperançosa como há muito tempo não me sentia. Era finalmente a luz no final do túnel, aquela que já esperava há tanto tempo. Só em agosto do mesmo ano, porém, você construiu a coragem necessária para se lançar em processos seletivos. Nos restavam apenas seis meses; sabíamos que em fevereiro de 2023 teríamos de nos mudar em busca de um custo de vida mais baixo caso nada mudasse. Quantos processos seletivos foram? A quantos desafios de programação e entrevistas você foi submetido? Mais um combo de frustrações e ansiedade. Mas a fé naquele momento estava forte e não deixou que a ansiedade levasse embora sua razão, então você não caiu; não caímos.
No último dia do ano, acordei muito angustiada. Não conseguia vislumbrar o que nos esperava no novo ano. Teríamos de partir? Para onde?
Na primeira semana de janeiro de 2023, depois de confirmar com você que poderíamos permanecer em Floripa até fevereiro, eu me lancei em uma nova busca por apartamentos, dessa vez em Poços de Caldas, onde o custo de vida é mais baixo e onde moram pessoas que amamos. Meu coração estava dividido: por um lado, começava a me despedir da nossa Ilha, deixando brotarem as lágrimas; por outro, me conectava com o novo destino e me deixava animar pela possibilidade de morar novamente perto de parte da família, especialmente de uma sobrinha recém-nascida cujo crescimento adoraríamos acompanhar de perto.
Qual não foi minha surpresa quando, naquela mesma semana, você fez nova entrevista para uma vaga de desenvolvedor em uma empresa local e um dia depois foi convidado a trabalhar durante um mês de teste? “Ganhamos um mês em Floripa!”, pensamos os dois, tomando fôlego! Então entreguei a você a garrafa de Chandon que estava guardada há meses em segredo, e celebramos mais uma vez o processo! Esse, aliás, é um dos motivos pelos quais sinto orgulho de nós: apesar dos desafios e das dores, sempre percebemos o que há para celebrar em nossos processos e nossas experiências.
Menos de um mês depois, antes de terminar o mês de teste, você estava sendo contratado! Respiramos os dois, aliviados, e celebramos mais! Aliás, estamos celebrando ainda e celebraremos sempre - não só a corajosa transição de carreira e o suado emprego, mas tudo que vivenciamos juntos enquanto sua saúde e nosso relacionamentos estavam em uma corda bamba.
Admiro você pela coragem, meu amor. É preciso muita coragem para reconhecer a própria insatisfação e fazer algo a respeito disso, se lançando no desconhecido quantas vezes forem necessárias. Admiro você pela força, meu amor. É preciso muita força para se levantar, principalmente quando ainda se está no escuro. Admiro você pela determinação, meu amor. É preciso muita determinação para se manter em movimento apesar das dúvidas, do medo e das frustrações. Admiro você pela abertura, meu amor. É preciso muita abertura para as conversas difíceis. Admiro você por muitos outros motivos e amo você por motivos a perder de vista.
Como diria nosso amigo Guimarães,
“quem elegeu a busca não pode recusar a travessia.”
Obrigada, meu amor, por ter elegido a busca pela sua realização, por ter permanecido comigo e por ter permitido que eu caminhasse ao seu lado mesmo nos piores momentos dessa história.
Que venham as próximas travessias!
Com amor e admiração,
Pessoinha.
Espero que este Convite tenha sido para você uma oportunidade bonita de se deixar afetar e tomar um novo fôlego!
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