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No mês passado, fui aprovada no exame prático de moto pelo DETRAN de Santa Catarina, o que quer dizer que agora possuo habilitação na categoria AB. Não podemos nos esquecer de que sou uma mulher. Então, em outras palavras, sou uma mulher habilitada a dirigir carros e motos. Quantas mulheres como eu você conhece? Conhece alguma mulher que, com ou sem habilitação, dirige uma moto? Preciso admitir que, felizmente, surpreendi-me com a quantidade de mulheres que encontrei em minhas aulas práticas. Mas, em minha rede de apoio, há apenas uma mulher que tem e dirige moto, uma das minhas madrinhas, que não por acaso me inspira coragem.
Coragem, aliás, foi o que mais perceberam em mim desde que comecei a me movimentar para realizar o desejo de dirigir a moto que comprei com meu companheiro no ano passado. Por um lado, parece-me estranho que não sejam percebidos como corajosos também os homens que fazem o mesmo movimento. Ora, meu companheiro recebeu sua habilitação AB há dois anos, e, na época, ninguém o tomou como um homem corajoso por isso… Já sabem aonde quero chegar, não é?
Por outro lado, sinto-me lisonjeada, pois coragem é um dos valores dos quais parto para tomar minhas decisões e fazer minhas escolhas. Mas preciso confessar que não me sinto tão corajosa por isso quanto me sinto quando me submeto ao transporte privado urbano. De coragem nós precisamos para enfrentar o medo, não é? E medo eu sinto quando estou sozinha com um homem estranho dentro de um carro sobre o qual apenas ele tem controle, principalmente quando me percebo assediada. Por isso, às inúmeras pessoas que questionaram meu desejo e minha decisão, respondi o mesmo: prefiro correr perigo em cima de uma moto do que dentro de um carro com um motorista estranho. Como aprendi com Angela Davis,
Eu não estou aceitando as coisas que eu não posso mudar, estou mudando as coisas que eu não posso aceitar.
Em uma enquete recente em meu perfil do Instagram, a maioria das mulheres que me acompanha se manifestaram, admitindo nunca terem sequer pensado sobre a possibilidade de dirigirem elas mesmas uma moto. No caso delas, assim como no caso de minhas amigas e minhas primas, isso não se deve à falta de privilégios. Desde então tenho me perguntado: que outras possibilidades temos ignorado enquanto mulheres? O que mais nunca consideramos vivenciar por sermos mulheres? De que outras formas temos limitado o exercício de nossa autonomia ao nos sujeitarmos às normas de gênero de nossa sociedade patriarcal, machista e sexista sem questioná-las ou enfrentá-las? Não sei vocês, mas, assim como Bell Hooks,
Eu não terei a minha vida reduzida. Eu não vou me curvar ao capricho ou à ignorância de outra pessoa.
Celebrei o dia em que fui aprovada no exame prático, mas também celebrei o dia em que fiz minha matrícula na autoescola, assim como cada um dos obstáculos do exame que aprendi a contornar e a conclusão das aulas práticas. Celebrei cada parte desse processo, porque celebrá-lo, para mim, é celebrar também a luta feminista. Para que não haja dúvida a respeito do termo, trago as palavras de Emma Watson:
O feminismo, por definição, é acreditar que tanto homens como mulheres devem ter direitos e oportunidades iguais. É a teoria política, econômica e social da igualdade de sexos.
Chimamanda Adichie disse o mesmo de uma forma ainda mais simples:
Feminista: uma pessoa que acredita na igualdade política, social e econômica dos sexos.
A conquista de minha habilitação como motorista na categoria AB é fruto dessa luta; fruto que honra e celebra a mesma luta, a qual existe para que façamos nossas decisões e escolhas - sobre nossos corpos, nossas sexualidades, nossos gêneros, nossos trabalhos, nossas roupas, nossas relações, nossas maternidades etc. - de acordo com nossos próprios desejos, nossas próprias necessidades, nossos próprios valores e nossas próprias crenças, lembrando que, como disse Michelle Obama,
Não há limite para o que nós, como mulheres, podemos realizar.
Faço da minha conquista, portanto, um meio para nos lembrar dos direitos que conquistamos e precisamos defender e dos que ainda reivindicamos. Nesse sentido, é necessário lembrar o alerta que nos fez Simone de Beauvoir,
Nunca se esqueça que basta uma crise política, econômica ou religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados. Esses direitos não são permanentes. Você terá que manter-se vigilante durante toda a sua vida.
Nas palavras da mesma mulher,
Não se nasce mulher; torna-se mulher.
Como você tem se tornado mulher?
Com respeito e afetos,
Larissa.
Lindo, Larissa! Parabéns pela habilitação 💚✨✨