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Há algumas semanas, percebi-me entediada, agitada, irritada e desanimada. Algo me faltava. Como me sinto sobretudo curiosa a respeito de meus afetos, recolhi a mim mesma e, durante alguns dias, pus-me a observar meu corpo. (Já experimentou estar nesse lugar de observadora de si mesma? É no mínimo interessante! Esse lugar eu conheci por meio da meditação.) Minha impressão era a de estar vivenciando uma espécie de ressaca, o que atribuí sem dificuldade às redes sociais, principalmente àquela da qual faço uso para construir e nutrir relações, pessoais e profissionais: Instagram.
Não demorei muito a localizar o problema: parece-me ostensiva a maneira como muitas pessoas (meu otimismo não me permite escrever “a maioria”) se comunicam ali. Da minha perspectiva, ostenta-se alegria, produtividade, pertencimento, inovação, talento, reconhecimento, estilo, romance e até mesmo vulnerabilidade, por exemplo. Incomoda-me, sobretudo, a forma como me sinto diante de tanta ostentação: em meio a uma sensação de inadequação, às vezes pergunto a mim mesma se há algo errado em mim por não valorizar o mesmo que se tem ostentado em âmbito digital. Também me estranho por não encontrar em mim desejo, motivação ou disponibilidade para fazer o mesmo, compartilhar meus recortes dessa forma - de forma ostensiva. Na mesma medida desse incômodo, está a saudade de como me sinto com pessoas em que percebo naturalidade, espontaneidade, autenticidade e simplicidade.
Além disso, tenho a sensação de que nas redes sociais há barulho demais. É que, em virtude da ostentação, a comunicação chega até mim repleta de ruídos; percebo nas pessoas que se comunicam de forma ostensiva muitas vezes o contrário do que elas provavelmente se esforçam para comunicar: insegurança, carência, medo, escassez, desespero, falta, incoerência, ansiedade… Como psicoterapeuta, não consigo deixar de suspeitar de uma projeção: será que me incomoda perceber nas pessoas aquilo de que ainda preciso cuidar em mim? Ou será que o que me incomoda é apenas tanto barulho?
Analistas diriam que é caso de resistência, mas fato é que tem chamado mais minha atenção a segunda possibilidade. É que eu gosto demais do que é silencioso, assim como gosto do que é natural, do que é espontâneo, do que é autêntico e do que é simples. Minha relação com o silêncio me remete a Isaura, personagem de Valter Hugo Mãe, que
em seu silêncio pensava que talvez se definisse a vida. Tudo era antes do silêncio.
Recentemente, refletindo sobre isso, dei-me conta de um tipo de prazer que experimentei (e experimento ainda) em algumas situações - à primeira vista - bastante distintas: um cruzeiro com minha família distante de toda e qualquer terra firme; a travessia do deserto de sal na Bolívia em que não se via nada nem ninguém fora do carro que me levava; os passeios mais longos de ciclismo; a madrugada, que precede o retorno do sol, quando tudo e todos ainda dormem; o mergulho de batismo junto à Ilha do Arvoredo; as travessias de natação em águas abertas; as longas viagens de carro do Rio Grande do Sul até Minas Gerais; o trajeto de barco até a ilha Morro de São Paulo… O que todas essas situações têm em comum? É isso que tenho tentado nomear nos últimos dias, porque é aí, no que há de comum entre elas, que estão pistas importantes a respeito de onde mora o prazer em mim: silêncio, integridade, plenitude e contemplação.
Há mais uma pista, que encontrei enquanto revisitava nesta semana o livro “Sociedade do cansaço”:
A técnica temporal e de atenção multitasking (multitarefa) não representa nenhum progresso civilizatório. A multitarefa não é uma capacidade para a qual só seria capaz o homem na sociedade trabalhista e de informação pós-moderna. Trata-se antes de um retrocesso. A multitarefa está amplamente disseminada entre os animais em estado selvagem. Trata-se de uma técnica de atenção, indispensável para sobreviver na vida selvagem. (...) Os desempenhos culturais da humanidade, dos quais faz parte também a filosofia, devem-se a uma atenção profunda, contemplativa. A cultura pressupõe um ambiente onde seja possível uma atenção profunda. (Byung-Chul Han)
A multitarefa não está em nenhuma vivência minha das situações que mencionei antes. Certamente não é por acaso que a vivência de cada uma delas aconteceu ou acontece na ausência da internet, fora das redes sociais, certo?
Inclusive, sabe o que tem me atraído ultimamente? Retiros espirituais, daqueles em que as pessoas vivem como se não houvesse internet nem verbo. Logo eu, apaixonada pelas palavras… Mas apaixonada também pelo silêncio.
Durante a leitura de Grande Sertão Veredas, Guimarães já me perguntou uma vez:
A senhora sabe o que é o silêncio?
Ele mesmo me respondeu:
É a gente mesmo, demais.
Será que é isso, então, o que há de comum entre todas essas experiências que me são tão prazerosas, o meu encontro comigo mesma? Como diria Milton,
Quem sabe isso quer dizer amor…
Era eu mesma o que estava me faltando.
Com respeito e afetos,
Larissa.
Lari, obrigada. Valter Hugo Mae e Guimarães Rosa...que texto lindo e com reflexões que atualmente tem sido as minhas tbm. Boa semana, bj 💚
Lari, estou completamente extasiada, a experiencia de ouvir você me acessou de uma forma que ainda estou convivendo...no momento, o que posso sentir é um gratidão difícil de exprimir nesse espaço. Que sorte e graça viver nesse mundo, tendo você nos convidando...no meu caso, como precisava te ouvir. Assim como Mariana trouxe, deixo aqui também meu incentivo do quanto já estou na esperança pelos próximos.
Com amor,
Marília