"Quanto tempo se leva para morrer?" (Lorena Portela)
Se preferir escutar este Convite, eu mesma faço a leitura dele em voz alta para você:
Para aprimorar sua experiência de leitura com uma trilha sonora instrumental, aperte o play:
“Quanto tempo se leva para morrer?”
Essa é a pergunta que me fez Lorena Portela, escritora e jornalista cearense, em seu romance de estreia: “Primeiro eu tive que morrer”. A pergunta é, evidentemente, um belo e potente convite à reflexão. Convite aceito, ela suscitou em mim outras perguntas:
Com qual dor me acostumei?
Quantas vezes me inibo na tentativa de evitar um conflito? Qual é o custo de tantas inibições?
Quais desejos estou deixando de realizar por medo ou vergonha?
Por que disfarço meu desconforto para poupar o outro do desconforto?
Quais das relações em que estou não suportam minha autenticidade?
Em quais espaços me diminuo para caber? Por que o faço?
Quantas das minhas decisões são orientadas por valores, crenças e desejos alheios?
De quais necessidades minhas abro mão para proteger aquilo em que me apego?
Que afetos deixei de sentir ou expressar?
A que violências estou me submetendo?
Costumo dizer que saúde se cria. Pois Lorena Portela sugere em sua obra que a morte, eventualmente, também. Por meio da relação conflituosa de sua personagem com o trabalho, a autora nos mostra que a morte não é necessariamente rápida ou repentina; a depender de como (sobre)vivemos, ela pode acontecer pouco a pouco. Em outras palavras, a morte pode ser paulatinamente criada por mim ou por você.
“Quantas mortes uma mulher já enfrentou para continuar viva?” (Lorena Portela)
A morte nem sempre é perceptível, é verdade; a morte pode ser, além de gradativa, sutil e silenciosa. Mas também é verdade que por vezes a percebemos e nada fazemos a respeito. Por que negamos ou negligenciamos o que em nós está morrendo?
“Tem um momento em que você passa a não questionar mais a dor, porque a dor é tudo que você conhece. Já se familiarizou, conhece os trejeitos e, embora desconheça os limites, a dor já não assusta tanto assim.” (Lorena Portela)
Se não for na familiaridade com a dor, a negação e a negligência podem estar sustentadas na ilusão convicta de um amanhã, de uma próxima semana, de um novo mês, de mais um ano… Recentemente me deparei com rugas e manchas novas nas mãos de meu pai. Meu encontro com o envelhecimento dele me arrebatou. O tempo é implacável! As rugas e as manchas que antes não estavam ali me lembraram da finitude dele e, consequentemente, da impermanência intrínseca à vida.
Trazer à consciência a finitude e a impermanência - as nossas e as dos outros - é receita certa para a angústia. Mas e se for ela a única capaz de motivar nossa rebeldia contra aquilo que nos mata pouco a pouco?
Quanto tempo se leva para morrer, afinal?
O que desejamos da vida nem sempre coincide com o que se espera de nós. Então, aposto que se leva para morrer o mesmo tempo que se leva para desistir de desejar.
Com respeito e afetos,
Larissa.