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Em maio deste ano, quando eu e meu companheiro estávamos na cidade onde moram os pais dele e minha mãe, no Sul de Minas Gerais, minha sogra comentou seu desejo de nos presentear com um pedaço de terra. No mesmo período, para minha surpresa, minha mãe me presenteou com um carro. Enquanto isso, em Florianópolis, a moto que havíamos comprado juntos no ano passado nos esperava. Por isso, na volta ao lar, enquanto dirigíamos por cerca de 14 horas, conversamos nós dois sobre os bens que estavam começando a chegar em nossa relação, nos questionando sobre o destino que teria cada um deles se um dia optássemos por seguir caminhos diferentes de novo. Foi assim que finalmente percebemos um motivo para formalizar nossa união: a deliberação a respeito do regime de bens. Assim, o Casamento civil, que até aquele momento nos parecia nada mais do que um processo burocrático, ganhou para nós uma finalidade relevante.
Tomada a decisão de assumir nossa união perante o Estado para escolher um regime de bens para chamar de nosso, perguntamos um ao outro em que data faríamos isso. Lembrando que dois dos irmãos de meu companheiro provavelmente estariam na Ilha com seus pares em novembro, surgiu o desejo de agendar o casamento civil no mesmo mês - assim contaríamos com a presença de quatro parentes na ocasião do casamento, e dois deles eram justamente as pessoas que gostaríamos que fossem nossas testemunhas. Tomada a decisão e definida a data, nosso próximo passo era comunicar a novidade aos familiares, começando por nossos pais…
Foi na relação com nossos pais que nossa decisão, até então puramente objetiva, ganhou outro tom: além de abraçar nossa decisão, eles vibraram por ela com muita alegria! Meu sogro foi o primeiro a se posicionar, mesmo sem ter recebido um convite nosso: “Se seus irmãos estarão aí, nós também estaremos!”. A segunda surpresa chegou em seguida: quando contei à minha mãe qual tinha sido a reação de meu sogro à notícia, ela me confidenciou: “Eu já estava decidida a ir para fazer uma surpresa a vocês. Minha única filha vai se casar! Como eu não estaria com você?”. Logo depois, meu pai e sua esposa decidiram vir também, de Fortaleza, assim como a outra irmã de meu companheiro e seu marido, da Irlanda. Como eu diria meses depois, no dia do casamento, a família trouxe poesia à nossa decisão, nos convidando sutilmente a transformar o Casamento civil em um pretexto bonito para nos reunirmos e celebrarmos o amor. Nós nos sentimos ainda mais amados desde então!
Depois disso, conversamos sobre a possibilidade de convidar outras pessoas para o casamento, as amigas e os amigos, assim como mais um punhado de parentes. Mas sabíamos o que isso implicaria: uma festa. Atualmente não poderíamos oferecer uma (do jeito que gostaríamos) sem contar com o suporte financeiro de nossos pais, por isso optamos por um almoço com pais e irmãos; na verdade, com pais, irmãos e nossa madrinha. Não levou muito tempo para decidirmos convidar a Mari: os dois entenderam desde o começo que ela precisava estar presente no casamento, pois foi ela quem nos serviu de ponte, nos apresentando um ao outro, e foi ela também quem mais nos ofereceu amparo ao longo das tormentas que enfrentamos nos últimos anos enquanto casal (escrevi sobre essas tormentas em outro Convite, em fevereiro deste ano). Mas, para contemplar nosso desejo de incluir mais pessoas na celebração, meu companheiro me fez uma proposta: “O que acha de irmos até algumas das pessoas que amamos para fazer um brinde com elas?”. Uma ideia original e significativa, não é? Combinamos assim!
Nos meses seguintes, enquanto todos compravam suas passagens, nós dois conversamos com uma advogada amiga em uma consultoria jurídica para ganhar segurança a respeito do regime de bens que gostaríamos de adotar (Separação Legal de Bens), providenciamos a papelada para agendar o casamento no cartório e reservamos uma mesa no primeiro restaurante que conhecemos depois de chegar na Ilha, o Rancho Açoriano.
Quinze dias antes do casamento, fomos até Xangri-lá para dar início à celebração, brindando com meus padrinhos e minha tia, parte da família de meu pai. Minha mãe nos encontrou lá e depois veio conosco para Florianópolis para participar de alguns momentos gostosos que antecederam o grande dia, como uma visita à costureira que fez a bainha do macacão que usei no casamento - depois da amiga que estava comigo quando o comprei, minha mãe e a costureira foram as primeiras a me ver vestida para casar.
Uma semana antes do casamento, começaram a chegar na Ilha os outros familiares: primeiro os pais e os irmãos do Augusto, depois meu pai e sua esposa, e, por fim, nossa madrinha. Antes de chegarem, fui ao airbnb de cada um para deixar um cartãozinho e alguns mimos que eu e meu companheiro preparamos juntos. Além disso, houve recepção no aeroporto para todos. Tanto antes quando depois do casamento, em meio à muita chuva, a Ilha nos presentou com dias de céu azul, que renderam momentos gostosos e registros da família na praia - os mais bonitos são os da pequena Ruth, a primeira neta de meus sogros, que conheceu o mar no Campeche. Também passamos por vários bons restaurantes para que todos matassem a saudade dos frutos do mar. Em um desses restaurantes, na véspera do casamento, meu pai e sua esposa finalmente conheceram meus sogros!
Quando o grande dia chegou, a chuva cessou, e o sol nos deu o ar da graça. Como o casamento estava agendado para às 11:00, fui cedo para o salão, acompanhada por minha mãe e nossa madrinha. Enquanto cuidavam de mim duas profissionais que conheci naquele dia (sim, naquele dia), nossa madrinha se arrumava perto de mim e minha mãe incorporava ao meu buquê as lindas flores que três amigas amadas de Fortaleza tinham me enviado no dia anterior.
Cheguei ao cartório antes que o noivo, que por pouco não se atrasou. Ele tinha um bom motivo para isso: estava em casa, escrevendo seus votos. A história dos nossos votos também vale mencionar: a princípio, combinamos que escreveríamos alguns votos para compartilhá-los no restaurante, logo após o casamento. Contudo, nas semanas que antecederam o casamento, nenhum dos dois estava encontrando tempo e sossego para escrevê-los, por isso refizemos o combinado: não prepararíamos nada, mas diríamos alguma coisa um ao outro, espontaneamente. Porém, um dia antes do casamento, no final da tarde, eu me vi sozinha, com uma horinha de sossego pela frente: tempo suficiente para escrever meus votos, pensei. Pois eu os escrevi. Em seguida, enviei uma mensagem ao meu companheiro para avisá-lo, como quem diz “Agora te vira!” (risos). Na manhã seguinte, horas antes do casamento, sozinho em nosso apartamento, ele escreveu seus votos.
O Guto chegou ao cartório com o Bituca, nosso anjinho de patas, que, como sempre, descontraiu e alegrou todo o ambiente!
No cartório, fomos surpreendidos positivamente pela Juíza de Paz, que celebrou nosso casamento com a formalidade e a agilidade esperadas, mas também com palavras delicadas sobre amor e esperança. Além disso, ela permitiu que todos os convidados permanecessem na sala, ao nosso redor, durante o casamento, inclusive nosso Bituquinha.
Depois da cerimônia, com a certidão de casamento em mãos, recebemos abraços muito apertados. Quando fui envolvida pelo corpo de minha mãe, fui imediatamente tomada pela lembrança de minha avó: ela pedia a Deus mais tempo na Terra para me ver de noiva; e faleceu no ano passado. A partir desse momento, os olhos transbordaram diversas vezes ao longo do dia.
Antes de chegar ao restaurante, no Ribeirão da Ilha, eu e o Guto fizemos uma breve parada com a fotógrafa Rafaella Lisboa para alguns belos registros na praia.
Chegando ao restaurante, uma surpresa linda: estava nos esperando junto à nossa família um músico maravilhoso, Thiago Rosa, que havíamos conhecido meses atrás, em Santo Antônio de Lisboa. Minha sogra e minha concunhada foram as responsáveis por essa surpresa, que elevou o astral do nosso almoço e rendeu dança e cantoria ao longo da tarde!
Na chegada, com um belo brinde, já bem emocionados, agradecemos o empenho de todos para participar da celebração da nossa história e do nosso amor, especialmente nossos pais, que demonstram respeito e apoio por nossas decisões, mesmo quando não tomamos as decisões que lhe parecem mais adequadas.
Em seguida, espontaneamente decidimos que era chegado o momento dos votos. Mais emoção! Meu companheiro de vida roubou a cena, surpreendendo todo mundo com uma linda declaração de amor regada a muitas lágrimas, as minhas e as dele. A citação de Fernando Pessoa, que serve de título a este Convite, é parte importante dos votos escritos por ele. Já os meus votos começaram com palavras de Milton Nascimento, cujas músicas marcaram o início da nossa história. Cantarolei, tímida e chorosa, esse trechinho:
“O que será que será
Que dá dentro da gente e que não devia
Que desacata a gente, que é revelia
Que é feito uma aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia”
Concluído o momento “votos”, levei a Mari, nossa amiga e madrinha, para um cantinho. Sem dizer nada, estendi a ela meu buquê. Não dissemos palavra nenhuma, porque não conseguimos, mas nosso olhar comunicou muito de uma para a outra, o que é comum entre nós duas. Com as lágrimas já escorrendo pelas bochechas, nos abraçamos. Depois do abraço, respirei fundo e disse a ela como desejo que ela seja feliz no amor, o que, tenho certeza, acontecerá logo.
Mais tarde, fomos surpreendidos de novo: meu sogro, pegando emprestado o microfone do músico, nos presentou com palavras de amor. Depois de meu sogro, meu pai fez o mesmo. E depois de meu pai, com um empurrãozinho do músico, quase todos os parentes se levantaram e tomaram, um a um, o lugar à frente da mesa para nos presentear com mensagens bonitas, repletas de afetos. Haja coração!
Foi assim que reconhecemos nossa união perante nossa família e perante o Estado, celebrando nosso encontro nesta vida, a história que escrevemos até aqui e o que sentimos um pelo outro.
Uma semana depois do casamento, uma amiga perguntou se alguma coisa tinha mudado pra mim depois do casamento. Como disse a ela, depois do casamento, encontrei tudo exatamente como tinha deixado - afinal, eu e meu marido já nos sentíamos casados há anos e já nos reconhecíamos como uma família (tanto é que nossas alianças, cuja história é linda, já estavam na mão esquerda de cada um há muito tempo). Mas durante o casamento eu mudei. Casar foi uma experiência rica, porque me rendeu insights diversos. Percebi, por exemplo, como algumas pessoas esperam minha consideração não pela qualidade da relação que nós temos ou pelos sentimentos que a permeiam, mas por um mero vínculo sanguíneo. Nesse sentido, o casamento me convidou a revisitar muitas das minhas relações para as ressignificar, dando a elas um outro lugar na minha vida ou atribuindo a elas outro sentido. Além disso, na medida em que senti com meu próprio corpo as nuances afetivas que possibilitam e atravessam essa experiência - no que tange à individualidade de cada um e também ao casal, atribuí mais sensibilidade ao meu olhar para quem decide vivenciá-la.
Ah! Quase esqueço de comentar como foi a “lua-de-mel”: a previsão de chuva sugeriu que era melhor adiarmos nossa viagem até as Pirâmides Sagradas, em Santa Catarina, onde as atrações são trilhas e cachoeiras. Por isso, alugamos uma casa bonita e confortável em Florianópolis mesmo, no Canto dos Araçás, à beira da Lagoa da Conceição. Lá passamos dois dias imersos em silêncio e sossego, rodeados pela natureza, e isso era tudo de que precisávamos para nos recuperar de semanas tão intensas!
Se foi perfeito nosso casamento, então? É claro que não. Ora, existe perfeição quando se trata de humanidade? Meu coração doeu na ausência de algumas pessoas que não estavam lá (pelo menos fisicamente). Além disso, nos bastidores, houve algumas tensões e meia dúzia de conflitos; família implica uma trama pra lá de complexa, hein? Aliás, já conversamos sobre isso em outro Convite…
A melhor parte dessa história toda?
Certamente foi receber o amor das pessoas!
Viva o amor!
Com respeito e afetos,
Larissa Albertin.
Oi Larissa, sou o Flávio, do MPMG, do antigo CAO Direitos Humanos. Tudo bem com você? Achei lindo o seu relato, muito bacana mesmo! Parabéns! Que lindo casamento! Muitas felicidades! De fato, não há perfeição quando há humanidade e é importante revermos nossas relações humanas e, eventualmente, ressignificá-las de nossas relações humanas, conforme você pontuou.